sábado, 20 de agosto de 2011

Egoísmo ou Altruísmo

Afinal o que vimos fazer aqui neste plano?
Desculpe a pergunta profunda, assim, de supetão.
Se viemos para cá, para amar (e ser amados) ou sofrer, é mais ou menos a indagação que sintetiza o dilema filosofal de nossa curta encarnação.
E se somos isso mesmo, espíritos em uma carne, melhor que soubéssemos exatamente a que direcionar nossas vidas, até porque lá se vão 41 anos, 1 mês e 8 dias da minha, e eu ainda não consegui compreender bem o que estou fazendo por aqui, a que e para que eu sirvo.
Acho que todo mundo que desavisadamente caiu neste blog já deve ter se torturado algum dia com a percepção que nossa estada terrena é levada por circunstâncias que não temos o mínimo domínio e para as quais, mesmo com nossa racionalidade e o tempo dispendido em elucubrações, vamos desperdiçando em condicionamentos, como um veleiro que se deixa levar ao sabor dos ventos, ou, na falta deles, estaciona, sem um leme, uma rota, sem noção de barlavento e sotavento. É meio clichê, mas paciência. As coisas em verdade são simples, nós é que complicamos, e talvez por isso os clichês existam e nos sirvam.
Laurence J. Peter, que eu não tenho a mínima ideia de quem seja, disse que “se você não para onde está indo, provavelmente vai acabar em outro lugar”. Tu tens, de fato, a dimensão do rumo que tua vida está tomando? Este rumo tu traçasse ou és um dos tantos escravos das conveniências, hipocrisias e perfídias do que convencionamos denominar de destino?
Aliás, a palavra destino vem da negação mesma de tino, de raciocínio, de tirocínio, de domínio pela inteligência.
Estamos aqui , afinal, para vivermos segundo nossos apetites, vontades, amores, paixões e erros, ou nos contentarmos em ser um elo, de uma corrente composta de várias pessoas, pensando no que é melhor para elas e no que é mais harmônico ou menos difícil de suportar?
Vejo que quando alguém decide correr atrás de uma vida que represente felicidade é visto sobretudo como egoísta, porque o que se espera é que nos preocupemos primeiramente em pensar em todos e na estabilidade, nem que seja da tristeza.
No fundo, no fundo, se agarrássemos a felicidade à unha, seríamos muito mais capazes de fazer felizes todos que nos cercam. Talvez esse seja o verdadeiro altruísmo, irradiar a felicidade, compartilhar o prazer, o amor, o riso.
Amor é renúncia sim, mas da infelicidade.
Eu renuncio a ser infeliz ou meio feliz.
Porque ninguém é culpado senão de sua própria infelicidade ou de não ser generoso com a felicidade alheia.



Dedicado ao Mestre Fernando, sempre generoso com a felicidade de todos.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

A foto do facebook.

Ir para frente nem sempre é possível sem dar um rápido retorno, um desvio, um recuo.
É como jogar amarelinha. Quando jogamos a pedra no lugar errado, ou pisamos na linha, voltamos ao zero, para, então, dependendo da mira e da habilidade das pernas, seguir. Nem que seja para errar a pedra no 8, ou pisar na linha no 9, e retornar ao zero. Só assim se chega ao "céu".
Nestas marchas e contramarchas vamos perdendo coisas pelo caminho e agregando sentimentos ou ressentimentos. Quiçá os dois juntos muitas vezes
Nenhum ressentimento, penso eu, é mais doído que a revolta consigo mesmo por ter compreendido o lugar correto, a casa certa para jogar a pedra, mas, arremessando com muita ou pouca força, tenha de voltar ao nada, again.
Tecemos teias racionais perfeitas, baseadas em diagnósticos elaborados, refletidos, construídos em "sentimentos revirados", em conversas, em olhos que não se encontraram, que não disseram, em palavras repetidas mas desprovidas da verdade contundente. Na consciência do autoengano.
Entretanto, tudo nos empurra ao condicionamento da letargia. Brincamos de ser altruístas para nossa expiação.
Basta um momento de algum brilho, uma visão das dificuldades de dar vazão à inquietude e de mudar, apego a aparência das coisas e às coisas em si, e foi-se aquela promessa lapidada da busca da busca da tormentosa. Falo da felicidade. Ela atormenta. É vaidosa, aquela mulher linda que se insinua, que tu acha que te come com o olhar, que te inebria com o perfume, que pega na tua mão, que usa todos os métodos de sedução, mas que salta longe quando tu avança e se esconde atrás do muro dos malfadados condicionamentos, para que tu te conformes com o que ou onde estás. E te diz: "eu não sou para o teu bico. Sou muita areia para o teu caminhão". Ela não é mulher para casar. Uma ficada, um lance, se tanto.
Certo é que desistimos dela, por um tempo, nos conformamos momentaneamente, mas é só ela trocar de perfume, ou de penteado, e se aproximar sorrateira, sedutora a bandida, e já nos apaixonamos perdidamente por ela de novo, como se nunca tivesse nos rejeitado.

É chocante vermos a representação ectoplástima, materializada em fotografia, destes momentos de desistência de agarrar a bandida, ainda que pelo pé. De fato é um fantasma, não há nós ali.
Descobri, então, porque as pessoas trocam a foto do facebook, no orkut...
Achei que era só para os outros verem.
Não é.
Gosto de olhar para mim vislumbrando que vou acertar a pedra na casa certa. E não vou pisar na linha.
É por isso que minha foto escroncha do facebook não passa de hoje.

terça-feira, 26 de julho de 2011

PEQUENA TRILOGIA DO OLHAR - PARTE I - SOMENTE PARA OS SEUS OLHOS

Sempre me tocou muito aquela música do Renato Teixeira, Romaria. Sobretudo na parte em que ele se coloca diante da imagem de Cristo e sabe que não precisa dizer nada sobre sua vida, porque o olhar basta.

Isso me levou a um pensamento e a outro, até à seguinte indagação: um olhar efetivamente é capaz de dizer tudo?


Podemos sentir a amizade, o amor, a admiração, a paixão, o tesão em um olhar ou mesmo vários olhares? Olhos nos olhos e está desvelado o querer e o não, as razões da diferença e da anestesia, do amor e do desamor, descrédito, que estamos só no início ou que o inevitável fim se anuncia?


Os olhos espelham o embate do nosso íntimo? Eles nos traem? Traímos com eles?


Tenho me esforçado para olhar nas pupilas dos que estão ao meu lado. Procuro no movimento dos olhos, no olhar que se desvia, sinal de apoio, concordância, censura, admiração, repulsa, sinceridade.


É uma arte de que sou iniciante, pois até a pouco sempre acreditei na palavra.


Essa sim, eu sei: mente, engana, confunde, nada explica, e, mais do que tudo, omite. Entre o pensar e o falar há tempo suficiente para evitar mágoas, ser gentil, politicamente correto, valorar conveniências e consequências, além de não entregar-se.


Há, assim, um hiato, um abismo, um cânion entre o que sentimos e dizemos.


Não sei, mas e se deixássemos as palavras soltas ao sabor da inconsequência da nossa louca paixão, ou da sua retomada, em favor do viver tudo, ou tudo do início, na pelo menos busca da busca da felicidade? Continuaríamos nos perdendo no meio do caminho, nesse limbo, nesse lugar dentro de nós mesmos, esconderijo da falta de coragem, depósito de nosso orgulho, ou moral da aparência, sótão do amor não vivido, do desejo não correspondido, do medo de enfrentar tudo, de dar o o ansiado “start” ou o inexorável “the end”?


Imagino o caos, mas seria um caos necessariamente ruim? Amar de fato quem amamos, detestar quem nos detesta e acarinhar com um sorriso – ou mesmo com um olhar - toda a gente meiga que cruza nosso dia. Cruelmente verdadeiros na palavra ou olhar, tanto faz, seríamos realmente mais infelizes do que somos hoje?


Acho difícil ser pior do que está. Quero crer que, desapegado totalmente da sinceridade da palavra, dita ou escrita, da minha, da tua, mesmo das legendas do filme, me tornei um terrorista do olhar. Está tudo aqui: decepção, revolta, solidão, amor, amizade profunda, vontade de esganar, tudo em duas dimensões, faiscando nos meus olhos sumidos pelas bochechas. Não posso dispensar meus óculos escuros nem à noite. Sem eles estou nu. Meus defeitos e segredos estão por uma fitada breve, totalmente vulnerável que me encontro.


Minha sorte é que ninguém olha em meus olhos (nem de ninguém). Esperam minhas palavras. Ainda bem.


Acho que é por isso, e por tanta coisa que não sei nem explicar, que preciso tanto aprender a decifrar o olhar e a falta dele.


Ou então apenas confortar meu futuro com a poesia do Quintana:




“Quero sempre poder ter um sorriso estampando em meu rosto,
Mesmo quando a situação não for muito alegre...


E que esse meu sorriso consiga transmitir paz
para os que estiverem ao meu redor.


Quero poder fechar meus olhos e imaginar alguém...
E poder ter a absoluta certeza de que esse alguém
também pensa em mim quando fecha os olhos,
que faço falta quando não estou por perto.
Queria ter a certeza de que apesar de minhas
renúncias e loucuras, alguém me valoriza
pelo que sou, não pelo que tenho...
Que me veja como um ser humano completo,
que abusa demais dos bons sentimentos
que a vida proporciona,
que dê valor ao que realmente importa,
que é meu sentimento...e não brinque com ele."




E como disse certa feita o velhinho: “O pior de nossos problemas é que ninguém tem nada a ver com isso”.







PEQUENA TRILOGIA DO OLHAR - PARTE II - DE OLHOS BEM FECHADOS





Hoje não podemos nos dar ao luxo de sentir, muito menos de eternizar O SENTIR no papel ou com o teclado.




Tem pressão social para que não assumamos nossos sentimentos bons e ruins, notadamente o amor. E inimaginável curtir uma fossa pública.




Credo postar no “face” ou no tweeter estar apaixonado, amando, voltando a amar o marido ou a mulher com todo o entusiasmo. Falar disso, mesmo entre amigos, nem pensar.




É regra do jogo: jamais fale "eu te amo", a não ser da boca pra fora. Quando ama-se mesmo, de verdade, não se diz. Quando o ente amado sabe que é amado, cria halos e abusa, deita e rola. Não é assim que se comenta?




Somos por isso instigados a acreditar que esconder de todos, de nós mesmos, é sinal de fortaleza.




É corrente que devemos manter o amor em mistério, que brincar de gangorra é que faz que com que a abençoada ou o abençoado corresponda e possa existir uma mínima chance de viver a paixão ou que dure.




Gostamos de intrincadas tramas, de idas e vindas, dificuldades adicionais, como se as inerentes às diferenças entre duas pessoas não bastassem.




Há uma crença disseminada (quiçá pelos livros do Sidney Sheldon) que o amor é tanto melhor se é impossível, que não possa existir de fato senão na remota possibilidade de vivê-lo. Talvez o amor eterno seja somente eterno assim, se eternamente ficarmos pensando se teria dado certo ou não. Se viver, estraga.




Há perguntas, de outro lado, que não devemos nem internamente nos fazer. Nunca questione quem amas de modo a que desmorone o que tu querias acreditar que existisse e que a razão da existência te servisse como afirmação de que alguém te vê simply the best, como a música na voz da Tina Turner. Em nenhuma hipótese pergunte se és amado. Soa carente, desesperado.




Nestes tempos do eu, quem é que se arrisca a amar desbragadamente, como se no mundo não existisse ninguém que chegasse aos pés.




Amor próprio, amor próprio, rapaz, gosta primeiro de ti, gosta sobretudo de ti, mais de ti, é que nossos amigos nos dizem. Quem nos diz: “ vai, te atira, mergulha de cabeça”? Ao contrário, aconselhamos, as vezes invejosamente, calma, parcimônia, pé atrás, os dois se possível.




É sinal de fraqueza, de falta de confiança, de dependência, de amar a si, amar outrem desmedidamente.




Amor, aliás, tem forma, medida. Não pode ser de menos, senão acaba, ou de mais, sob pena de asfixia. Não está longe assim de virar produto, vendido em farmácias e lojas de conveniência, em drágeas, flaconete, long neck e litrão.




Tem dias, horários e condições também. Depois das crianças dormirem, mas não antes da manicure ou logo em seguida da aula de dança, toda suada.




Menos que duas vezes por semana é sinal que as coisas vão mal. Mensal é o fim. Todo dia é coisa para coelhos.




É aplicável, para calcular a dose certa, uma equação. Segue a fórmula: AC (amor no casamento)= IA (início apaixonado) + NER2 (Não embarangação recíproca) – (NDR [necessidade de discutir a relação frequentemente] – DFAC [desculpa dos filhos atrapalharem a relação]) + JTCT (jamais ter cedido a tentação) /TC (tempo de casamento).




Chega-se, então, ao IAC (Índice de Amor no Casamento). Mensalmente o índice é tabelado pelas revistas Nova, Carícia, Marie Claire, que podem classificar o RC (risco casamento), conforme o resultado da equação anterior.




Encontre o seu e consulte a tabela.




Que dias esses, ou, como diz o Milton Leite: " Que faaaase, que faaaase".




Foi-se o tempo de amar. O tu, no caso eu ou tu ( que não seja ele ou ela), não tem mais vez.




Prefere-se fartar de si mesmo do que se fartar de alguém, mesmo que todo mundo esteja ou tenha estado ou deveria estar atrás de alguém ou de algo que só alguém poderia acrescentar.




Amor que é amor, não vê imperfeições. Mas hoje, para usar uma metáfora, ninguém mais beija de olho fechado.




Preferimos beijar de olho aberto para ver se a(o) beijada(o) não está também de olho aberto e a(o) beijada(o) está de olho aberto para se certificar de que nós, no caso eu ou tu, que está agora lendo essa bobagem, deixamos de cerrar as pálpebras.




Como todo mundo quer ser antes amado, sintoma do egoísmo sentimental desta era, ninguém ama minguém.




Mas fica aqui minha frase para a próxima Nova: “ninguém ama ou é amado quando beija de olhos abertos”.

PEQUENA TRILOGIA DO OLHAR - PARTE III - AINDA SOBRE OS OLHOS

Ainda com fixação no assunto dos posts anteriores, revi o filme argentino “O Segredo dos Seus Olhos”.


Gostei ainda mais do que da primeira vez . Havia recomendado para um casal amigo meu no final de semana.


Todo mundo que comentou o filme comigo, salientou a trama política ou o viés de policial, mas o que mais me encantou é o amor. O amor que sempre esteve (como outros sentimentos de personagens do filme) nos olhos e que nunca precisou ser dito; o amor que anos, casamento, crime, política, distância, oportunidades não aproveitadas de dizê-lo, de vivê-lo, ficou ali, se alimentando somente dele próprio, sem compromisso de futuro. O final é de um romantismo simples, mas por isso mesmo arrasador, em que, mais uma vez, a palavra disse tão pouco, e o olhar tanto.




Nesta mesma toada, sobre o olhar, tem uma música do Oingo Boingo (banda dos anos 80 já extinta), chamada “We close our eyes” que eu tenho ouvido muito nestes dias. Tenho uma versão acústica, com uma gaita (acordeon, sanfona) de arrepiar. Tem um trecho assim:




“We close our eyes and the world has turned around again


We close our eyes and dream and another year has come and gone


We close our eyes and the world has turned around again


We close our eyes and dream ...




And if you come to me


And if you touch my hand


I might just slip away


I might just disappear


Who am I?


And if you think I'm worth it


And if you think it's not too late


We might start falling


If we don't try to hard


We might start falling in love




(..)


We're on the healing path


We're on a roller coaster ride


That could never turn back


And if you love me


And if you really try


To make the seconds count


Then we can close our eyes






Nós Fechamos Nossos Olhos




Nós fechamos nossos olhos e o mundo deu uma volta novamente


Nós fechamos nossos olhos e sonhamos e outro ano veio e se foi


Nós fechamos nossos olhos e o mundo deu uma volta novamente


Nós fechamos nossos olhos e sonhamos...




E se você vem a mim


E se você toca minha mão


Eu poderia apenas escapulir


Eu poderia apenas desaparecer


Quem sou eu?


E se você pensa que eu valho a pena


E se você pensa que não é muito tarde


Nós poderíamos começar a cair


Se nós tentarmos arduamente


Nós poderíamos começar a nos apaixonar


(...)


Nós estamos no caminho da cura


Nós estamos em um passeio de montanha-russa


Que nunca irá voltar


E se você me ama


E se você realmente tentar


Fazer os segundos contarem


Então nós poderemos fechar nossos olhos









sábado, 23 de abril de 2011

É preciso saber com quem brincar?

Conversando com as pessoas na rua fiquei impressionado com a indignação com as piadas do Rafinha Bastos a respeito do padrão de beleza (ou, melhor, feiúra) dos rondonienses. Teve um conhecido que me consultou até a respeito de “entrar com processo” contra o comediante.





Vá lá que ele ter ficado voltando ao tema várias vezes não foi de bom gosto. Mas, neste estado, em que se conviveu docilmente com uma Assembléia Legislativa que tinha três folhas de pagamento, uma de verdade e duas “PF”, em que deputados pediam propina para votar a cabresto e ir ver o sol em qualquer lugar que estivesse, onde o anterior governador disse e repetiu, e tornou concreto ao relegar a Educação, que a Escola não é importante, porque ele, semi-analfabeto, chegou onde chegou, nada disso gerou um décimo da indignação com a opinião do Rafinha sobre a beleza do povo de Porto Velho. E o que o apresentador falou no show era brincadeira, piada, não trouxe consequências objetivas, ao contrário do resto que eu mencionei, que relegou nosso ensino e desfalcou o erário público.







E nem se trata de saber se o Rafinha está certo ou errado no seu senso estético. .






Mas, se, de outro lado, se as piadas fossem sobre a incivilidade do rondoniense médio, pelo desapego ao respeito aos outros, no trânsito, na fila do supermercado, o comediante estaria errado?







Pois é. Ou como preferimos aqui em Rondônia: então...







Me sinto à vontade para falar de brincadeiras, porque, como gaúcho, ouço praticamente todo dia uma piada sobre a masculinidade da gauchada. Rio e conto várias de gaúcho e em todas o taura é veado. De certa forma a xirusada do Rio Grande sabe de onde saiu a piada, do passado de cultura e refinamento de Pelotas, e do auto enaltecimento da macheza. Como dissemos que somos mais isso e somos os melhores naquilo, e nos achamos por tudo que pensamos ser, nada mais gaúcho que isso, pela exacerbada vaidade viramos graça.







Mas, salvante um ou outro vivente mais enfezado, aguentamos bem as brincadeiras, porque, no fundo, nos achamos briosos, perseverantes e temos em nosso passado momentos de abnegação, heroísmo e coragem. Nosso hino, cantado não raro com mais força e orgulho que o nacional, não diz: “sirvam nossas façanhas de modelo à toda terra”? Temos um ego e tanto e por isso, eu acho, toleramos as brincadeiras e ainda as imputamos à inveja do resto do país em relação a nossa condição privilegiada de gaúchos.







Conta-se que em uma das tantas vezes que o pessoal do Casseta e Planeta esteve no Rio Grande para zoar essa fama nossa de veados, foram a Pelotas. Feitas as filmagens com aquelas mesmas tiradas de sempre, e já quando se preparavam para embarcar em uma van que os levaria ao aeroporto, os “cassetas” foram surpreendidos por uma brincadeira montada pela RBSTV, repetidora da Globo no sul. Eles arrumaram em um CTG a gauchada mais mal encarada e rústica possível e fizeram que o piquete de cavalarianos (um grupo à cavalo) abordasse os humoristas em frente ao hotel. Os gaudérios cercaram os “cassetas” e disseram, de cenho fechado, já com as facas na mão: “que história e essa que nos somos bichas”? “Nós vamos é capar vocês agora”. Foi um apavoramento só. Reza a lenda que o neguinho do Casseta foram achar duas quadras mais na frente, mais branco que o Michael Jackson. E segundo se diz, os humoristas não teriam gostado nada nada da brincadeira.







Piada é assim mesmo, não foi feita para o zoado achar graça.







A piada não se baseia no estigma, no imaginário, na generalização? Não se faz pouco do individualismo do paulista, da malandragem (e pouca coragem) do carioca, da preguiça baiana, do ficar em cima do muro do mineiro, da indigência intelectual (nossa, que eufemismo) do catarina – e do português?







Por que, então, a gozação da feiúra do rondoniense calou tão fundo?







Imagino que seja justamente pela nossa baixa auto estima. Por nos destacarmos via de regra por sermos inimigos do meio ambiente, pelas notícias de corrupção, vandalismo e incivilidade, nosso inconsciente faz reagirmos de forma visceral, e não racionalmente, quando somos defenestrados. Pouco fazemos em favor da nosso imagem, mas ficamos araras quando falam mal a nosso respeito. Dizemos ser de Rondônia e exigimos respeito, mas, se pararmos para pensar, vimos nos dando ao respeito? Não reelegemos o deputado do escândalo das ambulâncias, seduzidos pelo aeroporto – que até agora não funciona? Nossa saúde pública não é uma vergonha? Nossas rodovias não estão que é um buraco só? A impressão de um viajante que chega à Porto Velho não é a pior possível: superpopulação, sujeira, falta de planejamento urbano, esgotos a céu aberto, trânsito caótico?







Vamos, assim, encarar com espirituosidade a piada, mesmo não tendo gostado. Vamos devolver com bom humor, pois o Rafinha, embora seja gaúcho (quá-quá-quá), também não é nenhum primor, não é? Ainda mais com aquele cabelinho comprido. Vamos entupir a caixa de email dele com fotos de nossas famílias lindas. Não vamos fechar as portas para ele aqui, porque somos, rondonienses e rondonianos, hospitaleiros e alegres. Mostremos a ele, sem ódio e censura, mas com classe, que ele poderia ter sido mais delicado, pois toda artista deveria ser sensível e saber o limite entre piada e pilhéria, impressão e preconceito e que ao fazer piada com um povo que não tem sua auto estima em alta, acabou nos ofendendo. E que é feio falar mal de alguém que o recebeu também.







E, à propósito, Rafinha, minha filha Anita, de quatro anos, nasceu em Cacoal, e é linda!

terça-feira, 12 de abril de 2011

A (i)lógica dos que querem nos reduzir ao automatismo

Abaixo reproduzo artigo de Vladimir Passos de Freitas, Desembargador Federal aposentado.

Repare nos pueris argumentos a justificar o julgamento de cambulhada.

A informática e o celular, como ferramentas de facilitação da vida, não criam processos. Ao contrário, a facilidade de comunicação tenderia a maior aproximação das pessoas e, portanto, seria causa de menor litigiosidade.

A-d-o-r-e-i, dentre tantas perólas, em especial, o seguinte trecho:

"No Brasil, estamos na primeira fase, qual seja, a de conscientizar todos de que os tempos mudaram. É impossível persistir no sistema antigo, em que um desembargador recebia 12 processos por semana, lia-os atentamente em sua casa, preparava o voto e, em um dia previamente marcado, levava os recursos a julgamento. Discutiam-se as teses longa e profundamente, com citações de doutrina e jurisprudência".

Não é um ode ao julgamento de carrinhos de processos?


Depois, tenha essa maravilha:


"Mas não adianta filosofar se é bom ou ruim. É assim e ponto. É mudar ou sucumbir. Sempre tentando conciliar o desafio de julgar bem e em tempo razoável".

Não fosse triste ver a rasteza intelectual do argumento, seria de gargalhar.


Tenho medo daqueles que se arvoram da verdade absoluta e dos discípulos do Nostradamus a prever o apocalipse... desde que, é claro, algo que o vidente não propõe não seja feito exatamente daquele jeito.


Nada é isso e ponto. Nem mesmo ir à padaria para comprar o pão quentinho no domingo não é isso e ponto. As certezas cedem em instantes. Pode o vivente ser atropelado ao atravessar a rua. Vai que tu é convertido ao ouvir a pegração de um pastor da igreja Universal do Reino de Deus que existe em frente à mercearia. Ou lá chegando, esbarra na Juliana Paes, que brigou com o marido e está carente. Não é? Tudo precisa ser filosfado, pensado. Ao acordar, é bom pensar na máxima do AA e adequar à tua vida: só por hoje não vou sacanear ninguém; só por hoje vou ser gentil com tudo mundo; só por hoje vou me dedicar a ser modesto, dialético e justo nas minhas decisões.


Não embarquemos nessa dos arautos da pressa pela pressa. Lembro de uma palestra do Prof. Calmon de Passos em um congresso de processo civil em Porto Alegre no início dos anos 90, em que ele disse, com certa antevisão do que estamos vivendo agora, ao falar dos Juizados. Nunca esqueci: "Temo pelas razões dos que querem dar um processo rápido somente aos pobres". E, nesta mesma oportunidade, ao lado de Barbosa Moreira, falando sobre efetividade, disse, se minha lembrança não me trai: "cada reforma no processo que se quer fazer, é ditado por motivos econômicos e reflete o desejo do grupo hegemônico".


Por isso que acho engraçado que esses gênios não proponham o mais simples. Educar crianças a resolver seus conflitos, na escola, na família, fomentar a cultura da conciliação e da mediação desde o princípio, para que os processos sejam a exceção e não a regra. Desencorajar o advogado a entrar com o processo, premiando a negociação prévia e a utilização da via administrativa em face do Estado. Porque se a litigiosidade que chega ao Judiciário continuar progredindo, não há julgamento de carrinho, juiz-gestor e resolução do CNJ criando disneylândia judicial que dê conta. Fora, o pior, que nem é o processo, é a doença social do litígio.


Notem que, na senda da penúltima postagem, o CNJ uniformizou o horário do funcionamento do Judiciário a pretexto de oportunizar a todos o acesso à Justiça.

Ora, o Judiciário não está entupido? Como dar mais acesso então? Não seria melhor trabalhar para acabar com os estoques e fomentar meios alternativos de solução de conflitos?

Por isso que eu insisto: é proposital. Eles querem entupir o Judiciário, ditar soluções empurradas garganta a baixo por resoluções, provimentos, instruções etc, e docilizar o juiz como um administrador. Querem criar a demanda e depois simplificá-la na base da irreflexão, da pressa e da facilidade de resultados prefabricados. Não querem a Justiça feito homem, como modelo de magistrado.

E, como se vê, o sistema, a véia da foice da Justiça (como diz o Elomar), encontra sempre aúlicos dispostos na própria magistratura.




O gerenciamento dos processos no TJ-SP, a novidade




Vladimir Passos de Freitas 2 - Spacca


No dia 24 de março passado, o TJ de São Paulo baixou a Resolução 542, de 2011. O ato administrativo passou despercebido, mas influenciará diretamente a vida de muitos que procuram a Justiça e também, por reflexo, outros tribunais brasileiros.


A Resolução, no preâmbulo, “estabelece medidas necessárias ao julgamento de processos anteriores ao ano de 2006, para atendimento das metas prioritárias fixadas pelo Conselho Nacional de Justiça, em especial a Meta 2, e determina outras providências”.


A gestão dos processos na primeira instância sempre foi assunto recorrente. Mas nos tribunais as medidas tomadas têm sido de aumentar o número de cargos e realizar mutirões, convocando-se juízes de primeira instância. Entretanto, o problema vai além do atraso. Passa, entre outras coisas, pela gestão administrativa dos gabinetes de desembargadores.


Nos Estados Unidos, onde a mora judicial é menor, a matéria é estudada há pelo menos 40 anos. O “Federal Judicial Center” editou, em 1988, o livro Managing Appeals in Federal Courts, com 825 páginas de busca de soluções.


No Brasil, estamos na primeira fase, qual seja, a de conscientizar todos de que os tempos mudaram. É impossível persistir no sistema antigo, em que um desembargador recebia 12 processos por semana, lia-os atentamente em sua casa, preparava o voto e, em um dia previamente marcado, levava os recursos a julgamento. Discutiam-se as teses longa e profundamente, com citações de doutrina e jurisprudência.


Agora é diferente. O volume de processos multiplicou-se e a cobrança é muito maior. Todos têm pressa. A informática e o celular criaram escravos de compromissos que não acabam. Adaptar-se ao processo eletrônico é um tormento para que os que passaram dos cinquenta.


Mas não adianta filosofar se é bom ou ruim. É assim e ponto. É mudar ou sucumbir. Sempre tentando conciliar o desafio de julgar bem e em tempo razoável. Aí é que entra a Resolução 542 do TJ de SP. Pela primeira vez na história do Poder Judiciário brasileiro fixam-se metas de rendimento de desembargadores e sanções aos que as descumprirem.


Antes da análise é preciso que se diga que no Brasil cada tribunal é um órgão autônomo e com regras próprias. Mesmo nos TRFs, que são apenas cinco e têm o CJF que os uniformiza, além do número de processos distribuídos ser muito diferente, poderá haver mais ou menos cargos em comissão no gabinete de cada desembargador, privilegiando-se mais ou menos a área judicial sobre a administrativa. E isto pode tornar diversos os resultados.


Nos tribunais estaduais a diferença é maior. São cortes que, até a instalação do CNJ, viveram isoladas por mais de um século e que desenvolveram técnicas administrativas próprias. Por exemplo, em um TJ, o gabinete do desembargador pode ter dois cargos em comissão e três servidores de carreira. Em outro, podem existir até 18 cargos em comissão. Óbvio que, em tese, os resultados serão diferentes. Isto sem falar na distribuição, que nos estados pouco populosos é mínima. Ainda, se a Justiça de primeira instância funcionar bem haverá muitos recursos, mas se for desestruturada, pouquíssimos.


Abstraídas estas particularidades e todas outras que possam existir, o fato é que nos tribunais há desembargadores que produzem mais e outros menos. Em princípio, nada de errado nisto. É da natureza humana. Uns são rápidos, outros mais lentos. Só que, por vezes, mesmo consideradas as particularidades pessoais, surgem diferenças sem justificativa. Suponha-se que, distribuídos 200 processos por mês a cada desembargador de um tribunal com 15 membros, com competência idêntica, três estão zerados, oito possuem um acervo de 200 processos, e quatro estão com mais de mil conclusos. Alguma coisa está errada.


Um desembargador que atinge um número extremamente excessivo de processos pendentes de julgamento, inadequado, fora dos parâmetros, certamente está em uma destas situações: a) é trabalhador, mas não utiliza a tecnologia disponível (v.g., assinatura eletrônica); b) é centralizador e detalhista, impedindo que os processos fluam normalmente; c) não se dedica ao trabalho.


Pois bem. A Resolução 472 aponta soluções inteligentes para estes casos extremos. Primeiro, manda que se redistribuam os processos da Meta 2 (até 2006) aos desembargadores que estão em dia. Estes não serão prejudicados por terem sido mais rápidos (ou mais trabalhadores), pois terão suspensa a distribuição até que haja compensação. Por suas vez, os retardatários, ao livrarem-se dos processos antigos, receberão três novos para cada um que mandarem aos seus colegas.


Além disso, os processos antigos ainda existentes (Meta 2) deverão ser julgados em 120 dias, sob pena de apuração da responsabilidade disciplinar. Da mesma forma, serão responsabilizados os que tiverem produtividade igual ou inferior a 70% da média. Ainda, os que forem professores terão reexaminadas as autorizações para docência, ou seja, serão lembrados de que a magistratura é a atividade principal.


A Resolução 542, por si só, não será a solução para todos os problemas da morosidade da Justiça paulista. Porém, ela tem a grande virtude de pôr um basta na tradição de tolerância que sempre existiu em relação aos atrasos nos tribunais. Enfrentar os problemas é o primeiro grande passo de um administrador judicial.


Finalmente, registre-se que no último dia 31 de março, o CNJ divulgou as estatísticas do cumprimento das metas do Judiciário. Nelas se encontram (p. 65) os índices de cumprimento dos processos da Meta 2. O TJ-RR atingiu o mais alto percentual (99,04%), e o TJ-RN o menor (9,42%). Entre os grandes tribunais (mais de 100 desembargadores), o TJ-RS teve o melhor índice (62,45%), o TJ-MG o mais baixo (24,74%), tendo o TJ-SP ficado na média (43,69%).


Em suma, a Resolução 542 é um passo nas tentativas sérias de aprimorar-se o sistema judicial. Certamente dará bons resultados.


Fonte: Consultor Jurídico

domingo, 3 de abril de 2011

ATACADÃO JUDICIÁRIO

Introduzindo a próxima postagem, leiam um artigo lúcido produzido por um advogado pernambucano.

Atacadão Judiciário


Extraído de: Espaço Vital - 04 de Outubro de 2010

Por Ronnie Preuss Duarte, advogado (OAB/PE nº 16.528) e diretor-geral da Escola Superior de Advocacia da OAB-PE


A sociedade espera do Poder Judiciário que vele pela administração da justiça. Que cuide de dar a cada um o que é seu, de acordo com o direito. Hoje, a preocupação com a efetividade temporal do processo (leia-se: velocidade dos julgamentos), vem sacrificando a qualidade da prestação jurisdicional.


Para a perplexidade dos jurisdicionados cujas vidas e patrimônio são objeto dos litígios secções de gabinetes em Tribunais Superiores são referidas como linhas de produção, onde o labor em série dos ocupantes em cargos de comissão alimentam as disputas pelas cabeceiras nas listagens de produtividade.


Na competição instalada entre os pares, é a quantidade que ganha relevo. Sob a escusa de uma reafirmada inevitabilidade da entrega da jurisdição a granel, instala-se nas cortes de justiça do país uma padronização procedimental: julgamentos em lotes (ou listas), a impensável delegação da atividade judicante na respectiva essência, a irreflexão dos votos, a ignorância das minúcias dos fatos debatidos nos autos e o laconismo na apresentação das razões de decidir.


A nobre função de julgar, sobretudo no âmbito recursal, é vilipendiada. O magistrado é reduzido à figura do gestor: o gerente do gabinete. Não raro as decisões, porque alvo de uma reiterada terceirização aos assessores, chegam ao conhecimento do respectivo prolator quando da leitura dos votos, na própria sessão de julgamento.


Aqueles que teimam em recusar a adesão ao ´modus operandi´ do atacadão judiciário, verdadeiramente julgando e não coordenando aqueles julgadores de fato (os assessores), sofrem as conseqüências da baixa produtividade quantitativa: ridicularização e a injusta pecha de incompetentes.


É indigno desconsiderar a imposição, ao estado-juiz, do dever de velar pela qualidade dos atos decisórios, atributo este que vem sendo esquecido por força do patrulhamento que hoje se ocupa apenas do aspecto quantitativo da atividade judicante.


A prática quotidiana traz exemplos de magistrados que, resistentes à jurisdição por atacado, dedicam mais de 12 horas diárias ao desempenho pessoal do ofício judicante. O déficit de produtividade é compensado por decisões dotadas de um diferencial técnico, assegurando às partes uma prestação jurisdicional na respectiva essência, que jamais pode abdicar do aspecto qualitativo. São homens que, despidos da vaidade e ignorando a competição estatística, honram a toga e o compromisso assumido na data da investidura no cargo.


Os critérios para avaliação dos juízes simplesmente não tomam em conta essa particularidade essencial, eventualmente prestigiando magistrados absolutamente descomprometidos com aspecto essencial da respectiva função: a justiça das decisões, que inafastavelmente passa pela acurada análise das questões fáticas e jurídicas debatidas nos autos.


Se é legítima a cobrança da produtividade, urge que os órgãos de controle da magistratura, notadamente o Conselho Nacional de Justiça, não descurem da necessidade de implementação de mecanismos de aferição qualitativa da produção judicante, mediante avaliações técnicas, por amostragem, das decisões proferidas.


A quantidade não pode ser a única bitola distintiva entre o bom e o mau juiz, sob pena de se prestigiar a incúria no trato da matéria submetida à apreciação judicial. Ultimada a análise qualitativa e publicados os resultados, ter-se-á, dentro de um novo contexto, a resposta à indagação outrora feita pelo jurista Capelleti: juízes irresponsáveis?

sexta-feira, 1 de abril de 2011

NÃO PRODUZIR EM MASSA: DE VERGONHA OU FRUSTRAÇÃO À ILÍCITO?

Deu na Folha de São Paulo de 30/03/2011: "TJ de São Paulo investigará juízes improdutivos".


Segundo o Jornal, os processos que não foram julgados nos últimos três anos serão retirados da relatoria do desembargador, que terá de explicar os motivos da não prolação do provimento jurisdicional. O processo será encaminhado a um relator "produtivo", que terá 120 dias para dar a decisão. Além disso, o juiz ou desembargador com produtividade igual ou inferior a 70% da média de seus pares de seção ou subseção poderá ser investigado.


A OAB qualificou a medida de "corajosa".


Analiso a notícia com um mínimo de profundidade, o que, claro, a imprensa não faz.


Até o brasileiro mais desinformado sabe que a única justificativa para submeter alguém a uma investigação é a fundada suspeita que o investigado cometeu um ato ilícito, de ordem penal ou civil.


Indago, assim, que crime ou ato ilícito teria cometido o magistrado que não produziu segundo os demais?


Respondo com a obviedade: não há crime que possa o magistrado neste contexto ter cometido.


A questão que remanesce, pois, é saber se o fato de não manter a média de produção dos colegas caracteriza infração aos deveres do magistrado previstos em lei.


Com efeito, são deveres do magistrado relacionados ao tema em debate, segundo o art. 35 da Lei Orgânica da Magistratura: a) não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar; b) determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais; c) comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão, e não se ausentar injustificadamente antes de seu término.


Pois bem. Examinemos um a um os deveres dos juízes, para vermos se há adequação do fato (não produzir segundo a média) à norma (incisos do art. 35 da Loman).



Em um cenário de 773 mil processos represados no TJ de São Paulo, em que todos recursos e a manifestação da parte contrária tem de ser lidos, assim como a diligência com que a sentença deve ser elaborada, uma vez que não raro pode mudar (para melhor ou pior e de forma definitiva) a vida de uma pessoa, não está absolutamente justificado o excesso de prazo para decidir?



Não se fala, ao depois, que os desembargadores e juízes a serem investigados não estejam determinando as providências necessárias para que os atos processuais se realizem, como, por exemplo, dar vista ao MP, e "chamar" o feito à conclusão, aguardar a vaga na pauta etc.


Também não se está imputando aos magistrados do TJ paulista não comparecerem no local de trabalho ou ausentarem-se injustificadamente das sessões de julgamento.



Vê-se, deste modo, que em uma análise apenas menos superficial do que a da notícia, não há justa causa para investigar os juízes.



Aliás, a superficialidade com que essa problemática da morosidade do Judiciário é tratada pela imprensa, e pelos próprios "operadores do Direito", sem procurar, fora no maniqueísmo, as verdadeiras razões do empilhamento dos processos nos fóruns e tribunais, serve à perfeição ao discurso do sistema, pois tem como corolário a desfiguração do juiz, de julgador para gestor, e da produção jurisdicional descuidada, faminta de simplificações e de atalhos, com a observância da jurisprudência, ainda que não consolidada. Não é mania de perseguição constatar o apego cada vez maior da jurisprudência - na verdade do arremedo de jurisprudência - aos reflexos econômicos das decisões, em suma, ao bem estar das corporações, com o respeito cego aos seus negócios, produzida por tribunais onde o lobby para os entendimentos e na escolha dos próprios ministros é noticiado e sequer negado pelos agraciados.



Faço um parentesis. Hoje, uma vaga de ministro do STF obriga o candidato a assumir perante a presidenta compromissos que, discutidos em contexto de subserviência, e longe do espaço de transparência, podem envolver aspectos que refogem ao interesse público e ingressam nas casuísticas, aviltantes da imparcialidade e da íntima convicção para julgar. Isto para ficar no mínimo. E tem as listas sextúplas, as tríplices e a indicação dos demais ministros e desembargadores. Há um artigo do Desembargador Elpídio Donizete sobre o beija mão do processo de indicação. É possível imacular a jurisprudência da influência do processo viciado da escolha dos juízes dos tribunais? Fora aqueles rapapés de congressos e viagens oferecidos, e não raro fruídos, e que tem sido noticiados pela imprensa.



Dá para perceber que a jurisprudência e a pressão cada vez maior para que seja aplicada sem maiores considerações, fator decisivo para a operosidade, não é andorinha que voa sozinha ao sabor dos ventos.



Temo que esta obsessão pela morosidade e a responsabilidade que se quer impingir aos juízes, de forma quase exclusiva, seja pretexto para terminar de enquadrar o Judiciário, justificando, progressivamente em maior medida, a vinculação do juiz àquele arremedo de jurisprudência de que falei, sob o também pretexto da "segurança jurídica", para o fito real de dirigir as decisões ao respeito dos negócios e uma atenção meramente retórica aos direitos de cidadania.



Em suma, sob a fantasia do debate acerca da morosidade, única e exclusivamente sob a ótica da produtividade dos juízes, cria-se a necessidade do acatamento, daí as súmulas vinculantes, o instituto da repercussão geral e etc.



Não obstante, a produção em série tende a despersonalizar a atividade judicante, superficializando a fundamentação das decisões e impedindo a priorização de feitos em cuja análise, defendo, o juiz não pode ser neutro, mas apenas imparcial, como, por exemplo, nas ações de improbidade ou aquelas cujo objeto seja a preservação do meio ambiente.


Tenha-se em mente que o establishment se notabiliza pela retórica. Cria de forma subreptícia demandas da sociedade, como o do controle do Judiciário, sob falsas razões, deixando os verdadeiros propósitos para a atuação. Lembro que anteriormente à "Reforma do Judiciário", o controle se fundava no discurso do acesso de todos à Justiça, em abrir a "caixa-preta", enfim a bordões que, embora desprovidos de significado concreto, possuíam grande apelo emocional, sempre muito eficientes no sentido de seduzir um poder legislativo semi-analfabeto, demagogo e subserviente como o nosso.



Produtividade, é claro, tem a ver com o reclame da morosidade do Judiciário. Mas acreditar que aí temos a única causa do gargalo e que o juiz é o homem malo, o preguiçoso que emperra a eficiência, mais uma vez é cantilena que rotula e acua não por acaso.





Nessa visão minimalista do problema da celeridade ou morosidade do processo, o único culpado seria o juiz, que, deliberadamente, por leniência ou comodismo, nega a jurisdição e a efetividade do processo, asbtendo-se de sua função primordial de propiciar justiça.




Em outras palavras, o juiz seria ineficiente, ao não julgar mais processos dos que entram todo mês, por mero capricho. Seria mais ou menos admitir a máxima de Hobbes de que o homem é o lobo do homem. Os juízes seriam intrinsecamente maus e contentariam-se com o sofrimento dos jurisdicionados.




Mas não soa patético reduzir a problemática a esse molde?

Não saindo da generalização, ao atribuir-se a vilania do problema ao magistrado, olvidando da complexidade e da interdisciplinariedade de suas causas, o que se sacrifica, em verdade, é a mínima possibilidade de se encontrar um mecanismo adequado de enfrentamento.


Neste cenário, o grande causador do volume crescente do ingresso de processos em todos os órgãos judiciários que é a patológica litigiosidade, acaba por não ser enfrentado. Ao contrário, na pressão de culpar-se o juiz, de aponta-lo como vagabundo, coloca-se no corner todo uma classe que, se sobrasse tempo para manifestar suas posições, poderia, por exemplo, na mesma vilania da outra, dizer que o culpado é o advogado, que não concilia, sequer procura a outra parte antes de ingressar com a demanda judicial, deixa de pleitear administrativamente, apenas para perceber os honorários de sucumbência.


Outros fatores de demora na tramitação dos processos como a legislação, a ausência de servidores e recursos de informática também acabam sendo relegados, como se apenas um desculpa esfarrapada dos juízes. Mas vá ver os recursos materiais e humanos da média das unidades jurisdicionais para ver.




Que a imprensa, o desavisado cidadão e a OAB tenham este tipo de abordagem ao problema da morosidade, ainda se tolera.



O que eu acho dose para malamute é ver, tal como boneco de ventríloquo, algumas "vozes" dentro da magistratura nesta linha.


Hoje, aliás, li um artigo desse naipe. Nos próximos dias compartilho com vocês, porque está difícil de digerir.


P. S. Um grande abraço para a Professora Dilsa Mondardo, que nos brindou com seus 40 anos de magistério, em dois dias dedicados a Sociologia do Direito no Curso promovido pela EMERON.

Foram momentos agradáveis de reflexão sobre a função do juiz na sociedade com os colegas de Rondônia, como há muito tempo não compartilhava, desde aqueles encontros inesquecíveis com o Prof. Warat no Curso de Conciliação também promovido pela EMERON.


Parabéns à professora e EMERON.