sexta-feira, 1 de abril de 2011

NÃO PRODUZIR EM MASSA: DE VERGONHA OU FRUSTRAÇÃO À ILÍCITO?

Deu na Folha de São Paulo de 30/03/2011: "TJ de São Paulo investigará juízes improdutivos".


Segundo o Jornal, os processos que não foram julgados nos últimos três anos serão retirados da relatoria do desembargador, que terá de explicar os motivos da não prolação do provimento jurisdicional. O processo será encaminhado a um relator "produtivo", que terá 120 dias para dar a decisão. Além disso, o juiz ou desembargador com produtividade igual ou inferior a 70% da média de seus pares de seção ou subseção poderá ser investigado.


A OAB qualificou a medida de "corajosa".


Analiso a notícia com um mínimo de profundidade, o que, claro, a imprensa não faz.


Até o brasileiro mais desinformado sabe que a única justificativa para submeter alguém a uma investigação é a fundada suspeita que o investigado cometeu um ato ilícito, de ordem penal ou civil.


Indago, assim, que crime ou ato ilícito teria cometido o magistrado que não produziu segundo os demais?


Respondo com a obviedade: não há crime que possa o magistrado neste contexto ter cometido.


A questão que remanesce, pois, é saber se o fato de não manter a média de produção dos colegas caracteriza infração aos deveres do magistrado previstos em lei.


Com efeito, são deveres do magistrado relacionados ao tema em debate, segundo o art. 35 da Lei Orgânica da Magistratura: a) não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar; b) determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais; c) comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão, e não se ausentar injustificadamente antes de seu término.


Pois bem. Examinemos um a um os deveres dos juízes, para vermos se há adequação do fato (não produzir segundo a média) à norma (incisos do art. 35 da Loman).



Em um cenário de 773 mil processos represados no TJ de São Paulo, em que todos recursos e a manifestação da parte contrária tem de ser lidos, assim como a diligência com que a sentença deve ser elaborada, uma vez que não raro pode mudar (para melhor ou pior e de forma definitiva) a vida de uma pessoa, não está absolutamente justificado o excesso de prazo para decidir?



Não se fala, ao depois, que os desembargadores e juízes a serem investigados não estejam determinando as providências necessárias para que os atos processuais se realizem, como, por exemplo, dar vista ao MP, e "chamar" o feito à conclusão, aguardar a vaga na pauta etc.


Também não se está imputando aos magistrados do TJ paulista não comparecerem no local de trabalho ou ausentarem-se injustificadamente das sessões de julgamento.



Vê-se, deste modo, que em uma análise apenas menos superficial do que a da notícia, não há justa causa para investigar os juízes.



Aliás, a superficialidade com que essa problemática da morosidade do Judiciário é tratada pela imprensa, e pelos próprios "operadores do Direito", sem procurar, fora no maniqueísmo, as verdadeiras razões do empilhamento dos processos nos fóruns e tribunais, serve à perfeição ao discurso do sistema, pois tem como corolário a desfiguração do juiz, de julgador para gestor, e da produção jurisdicional descuidada, faminta de simplificações e de atalhos, com a observância da jurisprudência, ainda que não consolidada. Não é mania de perseguição constatar o apego cada vez maior da jurisprudência - na verdade do arremedo de jurisprudência - aos reflexos econômicos das decisões, em suma, ao bem estar das corporações, com o respeito cego aos seus negócios, produzida por tribunais onde o lobby para os entendimentos e na escolha dos próprios ministros é noticiado e sequer negado pelos agraciados.



Faço um parentesis. Hoje, uma vaga de ministro do STF obriga o candidato a assumir perante a presidenta compromissos que, discutidos em contexto de subserviência, e longe do espaço de transparência, podem envolver aspectos que refogem ao interesse público e ingressam nas casuísticas, aviltantes da imparcialidade e da íntima convicção para julgar. Isto para ficar no mínimo. E tem as listas sextúplas, as tríplices e a indicação dos demais ministros e desembargadores. Há um artigo do Desembargador Elpídio Donizete sobre o beija mão do processo de indicação. É possível imacular a jurisprudência da influência do processo viciado da escolha dos juízes dos tribunais? Fora aqueles rapapés de congressos e viagens oferecidos, e não raro fruídos, e que tem sido noticiados pela imprensa.



Dá para perceber que a jurisprudência e a pressão cada vez maior para que seja aplicada sem maiores considerações, fator decisivo para a operosidade, não é andorinha que voa sozinha ao sabor dos ventos.



Temo que esta obsessão pela morosidade e a responsabilidade que se quer impingir aos juízes, de forma quase exclusiva, seja pretexto para terminar de enquadrar o Judiciário, justificando, progressivamente em maior medida, a vinculação do juiz àquele arremedo de jurisprudência de que falei, sob o também pretexto da "segurança jurídica", para o fito real de dirigir as decisões ao respeito dos negócios e uma atenção meramente retórica aos direitos de cidadania.



Em suma, sob a fantasia do debate acerca da morosidade, única e exclusivamente sob a ótica da produtividade dos juízes, cria-se a necessidade do acatamento, daí as súmulas vinculantes, o instituto da repercussão geral e etc.



Não obstante, a produção em série tende a despersonalizar a atividade judicante, superficializando a fundamentação das decisões e impedindo a priorização de feitos em cuja análise, defendo, o juiz não pode ser neutro, mas apenas imparcial, como, por exemplo, nas ações de improbidade ou aquelas cujo objeto seja a preservação do meio ambiente.


Tenha-se em mente que o establishment se notabiliza pela retórica. Cria de forma subreptícia demandas da sociedade, como o do controle do Judiciário, sob falsas razões, deixando os verdadeiros propósitos para a atuação. Lembro que anteriormente à "Reforma do Judiciário", o controle se fundava no discurso do acesso de todos à Justiça, em abrir a "caixa-preta", enfim a bordões que, embora desprovidos de significado concreto, possuíam grande apelo emocional, sempre muito eficientes no sentido de seduzir um poder legislativo semi-analfabeto, demagogo e subserviente como o nosso.



Produtividade, é claro, tem a ver com o reclame da morosidade do Judiciário. Mas acreditar que aí temos a única causa do gargalo e que o juiz é o homem malo, o preguiçoso que emperra a eficiência, mais uma vez é cantilena que rotula e acua não por acaso.





Nessa visão minimalista do problema da celeridade ou morosidade do processo, o único culpado seria o juiz, que, deliberadamente, por leniência ou comodismo, nega a jurisdição e a efetividade do processo, asbtendo-se de sua função primordial de propiciar justiça.




Em outras palavras, o juiz seria ineficiente, ao não julgar mais processos dos que entram todo mês, por mero capricho. Seria mais ou menos admitir a máxima de Hobbes de que o homem é o lobo do homem. Os juízes seriam intrinsecamente maus e contentariam-se com o sofrimento dos jurisdicionados.




Mas não soa patético reduzir a problemática a esse molde?

Não saindo da generalização, ao atribuir-se a vilania do problema ao magistrado, olvidando da complexidade e da interdisciplinariedade de suas causas, o que se sacrifica, em verdade, é a mínima possibilidade de se encontrar um mecanismo adequado de enfrentamento.


Neste cenário, o grande causador do volume crescente do ingresso de processos em todos os órgãos judiciários que é a patológica litigiosidade, acaba por não ser enfrentado. Ao contrário, na pressão de culpar-se o juiz, de aponta-lo como vagabundo, coloca-se no corner todo uma classe que, se sobrasse tempo para manifestar suas posições, poderia, por exemplo, na mesma vilania da outra, dizer que o culpado é o advogado, que não concilia, sequer procura a outra parte antes de ingressar com a demanda judicial, deixa de pleitear administrativamente, apenas para perceber os honorários de sucumbência.


Outros fatores de demora na tramitação dos processos como a legislação, a ausência de servidores e recursos de informática também acabam sendo relegados, como se apenas um desculpa esfarrapada dos juízes. Mas vá ver os recursos materiais e humanos da média das unidades jurisdicionais para ver.




Que a imprensa, o desavisado cidadão e a OAB tenham este tipo de abordagem ao problema da morosidade, ainda se tolera.



O que eu acho dose para malamute é ver, tal como boneco de ventríloquo, algumas "vozes" dentro da magistratura nesta linha.


Hoje, aliás, li um artigo desse naipe. Nos próximos dias compartilho com vocês, porque está difícil de digerir.


P. S. Um grande abraço para a Professora Dilsa Mondardo, que nos brindou com seus 40 anos de magistério, em dois dias dedicados a Sociologia do Direito no Curso promovido pela EMERON.

Foram momentos agradáveis de reflexão sobre a função do juiz na sociedade com os colegas de Rondônia, como há muito tempo não compartilhava, desde aqueles encontros inesquecíveis com o Prof. Warat no Curso de Conciliação também promovido pela EMERON.


Parabéns à professora e EMERON.

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