sábado, 23 de abril de 2011

É preciso saber com quem brincar?

Conversando com as pessoas na rua fiquei impressionado com a indignação com as piadas do Rafinha Bastos a respeito do padrão de beleza (ou, melhor, feiúra) dos rondonienses. Teve um conhecido que me consultou até a respeito de “entrar com processo” contra o comediante.





Vá lá que ele ter ficado voltando ao tema várias vezes não foi de bom gosto. Mas, neste estado, em que se conviveu docilmente com uma Assembléia Legislativa que tinha três folhas de pagamento, uma de verdade e duas “PF”, em que deputados pediam propina para votar a cabresto e ir ver o sol em qualquer lugar que estivesse, onde o anterior governador disse e repetiu, e tornou concreto ao relegar a Educação, que a Escola não é importante, porque ele, semi-analfabeto, chegou onde chegou, nada disso gerou um décimo da indignação com a opinião do Rafinha sobre a beleza do povo de Porto Velho. E o que o apresentador falou no show era brincadeira, piada, não trouxe consequências objetivas, ao contrário do resto que eu mencionei, que relegou nosso ensino e desfalcou o erário público.







E nem se trata de saber se o Rafinha está certo ou errado no seu senso estético. .






Mas, se, de outro lado, se as piadas fossem sobre a incivilidade do rondoniense médio, pelo desapego ao respeito aos outros, no trânsito, na fila do supermercado, o comediante estaria errado?







Pois é. Ou como preferimos aqui em Rondônia: então...







Me sinto à vontade para falar de brincadeiras, porque, como gaúcho, ouço praticamente todo dia uma piada sobre a masculinidade da gauchada. Rio e conto várias de gaúcho e em todas o taura é veado. De certa forma a xirusada do Rio Grande sabe de onde saiu a piada, do passado de cultura e refinamento de Pelotas, e do auto enaltecimento da macheza. Como dissemos que somos mais isso e somos os melhores naquilo, e nos achamos por tudo que pensamos ser, nada mais gaúcho que isso, pela exacerbada vaidade viramos graça.







Mas, salvante um ou outro vivente mais enfezado, aguentamos bem as brincadeiras, porque, no fundo, nos achamos briosos, perseverantes e temos em nosso passado momentos de abnegação, heroísmo e coragem. Nosso hino, cantado não raro com mais força e orgulho que o nacional, não diz: “sirvam nossas façanhas de modelo à toda terra”? Temos um ego e tanto e por isso, eu acho, toleramos as brincadeiras e ainda as imputamos à inveja do resto do país em relação a nossa condição privilegiada de gaúchos.







Conta-se que em uma das tantas vezes que o pessoal do Casseta e Planeta esteve no Rio Grande para zoar essa fama nossa de veados, foram a Pelotas. Feitas as filmagens com aquelas mesmas tiradas de sempre, e já quando se preparavam para embarcar em uma van que os levaria ao aeroporto, os “cassetas” foram surpreendidos por uma brincadeira montada pela RBSTV, repetidora da Globo no sul. Eles arrumaram em um CTG a gauchada mais mal encarada e rústica possível e fizeram que o piquete de cavalarianos (um grupo à cavalo) abordasse os humoristas em frente ao hotel. Os gaudérios cercaram os “cassetas” e disseram, de cenho fechado, já com as facas na mão: “que história e essa que nos somos bichas”? “Nós vamos é capar vocês agora”. Foi um apavoramento só. Reza a lenda que o neguinho do Casseta foram achar duas quadras mais na frente, mais branco que o Michael Jackson. E segundo se diz, os humoristas não teriam gostado nada nada da brincadeira.







Piada é assim mesmo, não foi feita para o zoado achar graça.







A piada não se baseia no estigma, no imaginário, na generalização? Não se faz pouco do individualismo do paulista, da malandragem (e pouca coragem) do carioca, da preguiça baiana, do ficar em cima do muro do mineiro, da indigência intelectual (nossa, que eufemismo) do catarina – e do português?







Por que, então, a gozação da feiúra do rondoniense calou tão fundo?







Imagino que seja justamente pela nossa baixa auto estima. Por nos destacarmos via de regra por sermos inimigos do meio ambiente, pelas notícias de corrupção, vandalismo e incivilidade, nosso inconsciente faz reagirmos de forma visceral, e não racionalmente, quando somos defenestrados. Pouco fazemos em favor da nosso imagem, mas ficamos araras quando falam mal a nosso respeito. Dizemos ser de Rondônia e exigimos respeito, mas, se pararmos para pensar, vimos nos dando ao respeito? Não reelegemos o deputado do escândalo das ambulâncias, seduzidos pelo aeroporto – que até agora não funciona? Nossa saúde pública não é uma vergonha? Nossas rodovias não estão que é um buraco só? A impressão de um viajante que chega à Porto Velho não é a pior possível: superpopulação, sujeira, falta de planejamento urbano, esgotos a céu aberto, trânsito caótico?







Vamos, assim, encarar com espirituosidade a piada, mesmo não tendo gostado. Vamos devolver com bom humor, pois o Rafinha, embora seja gaúcho (quá-quá-quá), também não é nenhum primor, não é? Ainda mais com aquele cabelinho comprido. Vamos entupir a caixa de email dele com fotos de nossas famílias lindas. Não vamos fechar as portas para ele aqui, porque somos, rondonienses e rondonianos, hospitaleiros e alegres. Mostremos a ele, sem ódio e censura, mas com classe, que ele poderia ter sido mais delicado, pois toda artista deveria ser sensível e saber o limite entre piada e pilhéria, impressão e preconceito e que ao fazer piada com um povo que não tem sua auto estima em alta, acabou nos ofendendo. E que é feio falar mal de alguém que o recebeu também.







E, à propósito, Rafinha, minha filha Anita, de quatro anos, nasceu em Cacoal, e é linda!

3 comentários:

  1. Ahhhhhhh, sim, como dizem os rondonienses: "Hein", Rafinha, minha filha Luísa, de 1 ano e seis meses, nasceu em Ji-Paraná e é maravilhosa!!!
    Mas não me permito esquecer que ao chegar neste Estado, desembarcando no aeroporto da capital, quase pedi para voltar, tamanho o choque que senti, sob todos os aspectos (pelas diferenças, não querendo dizer que cá ou lá houvesse melhores ou piores).
    Apesar disso, este foi o Estado que acolheu a mim e a meus filhos e é nele que estou colhendo meus frutos. Amém!

    Quanto ao gaúcho, aquela do "Tche bagual, perdi meus brincos..." o Dr. conhece? rsrsrs
    A mim foi apresentada por um queridíssimo amigo de Osório - RS.

    Pra encerrar, é sempre um prazer me deparar com juizes desprovidos de "juizite aguda". Parabéns!

    De hoje em diante seguirei seu blog, se me permite.

    Abraços.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Aêêêê Doutor!

    Comungo em partes da sua opinião quanto ao assunto... Afinal, em Rondônia, como temos pessoas de diversos estados, rimos das piadas de diversos gentílicos, seja de gaúchos, paulistas, cariocas, baianos, acreanos, cearenses, paraibanos, e agora achamos ruim alguém de um Estado zoado por nós fazer piada conosco.

    Vamos rir, pessoal! É bem mais divertido...


    Abraço

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