terça-feira, 12 de abril de 2011

A (i)lógica dos que querem nos reduzir ao automatismo

Abaixo reproduzo artigo de Vladimir Passos de Freitas, Desembargador Federal aposentado.

Repare nos pueris argumentos a justificar o julgamento de cambulhada.

A informática e o celular, como ferramentas de facilitação da vida, não criam processos. Ao contrário, a facilidade de comunicação tenderia a maior aproximação das pessoas e, portanto, seria causa de menor litigiosidade.

A-d-o-r-e-i, dentre tantas perólas, em especial, o seguinte trecho:

"No Brasil, estamos na primeira fase, qual seja, a de conscientizar todos de que os tempos mudaram. É impossível persistir no sistema antigo, em que um desembargador recebia 12 processos por semana, lia-os atentamente em sua casa, preparava o voto e, em um dia previamente marcado, levava os recursos a julgamento. Discutiam-se as teses longa e profundamente, com citações de doutrina e jurisprudência".

Não é um ode ao julgamento de carrinhos de processos?


Depois, tenha essa maravilha:


"Mas não adianta filosofar se é bom ou ruim. É assim e ponto. É mudar ou sucumbir. Sempre tentando conciliar o desafio de julgar bem e em tempo razoável".

Não fosse triste ver a rasteza intelectual do argumento, seria de gargalhar.


Tenho medo daqueles que se arvoram da verdade absoluta e dos discípulos do Nostradamus a prever o apocalipse... desde que, é claro, algo que o vidente não propõe não seja feito exatamente daquele jeito.


Nada é isso e ponto. Nem mesmo ir à padaria para comprar o pão quentinho no domingo não é isso e ponto. As certezas cedem em instantes. Pode o vivente ser atropelado ao atravessar a rua. Vai que tu é convertido ao ouvir a pegração de um pastor da igreja Universal do Reino de Deus que existe em frente à mercearia. Ou lá chegando, esbarra na Juliana Paes, que brigou com o marido e está carente. Não é? Tudo precisa ser filosfado, pensado. Ao acordar, é bom pensar na máxima do AA e adequar à tua vida: só por hoje não vou sacanear ninguém; só por hoje vou ser gentil com tudo mundo; só por hoje vou me dedicar a ser modesto, dialético e justo nas minhas decisões.


Não embarquemos nessa dos arautos da pressa pela pressa. Lembro de uma palestra do Prof. Calmon de Passos em um congresso de processo civil em Porto Alegre no início dos anos 90, em que ele disse, com certa antevisão do que estamos vivendo agora, ao falar dos Juizados. Nunca esqueci: "Temo pelas razões dos que querem dar um processo rápido somente aos pobres". E, nesta mesma oportunidade, ao lado de Barbosa Moreira, falando sobre efetividade, disse, se minha lembrança não me trai: "cada reforma no processo que se quer fazer, é ditado por motivos econômicos e reflete o desejo do grupo hegemônico".


Por isso que acho engraçado que esses gênios não proponham o mais simples. Educar crianças a resolver seus conflitos, na escola, na família, fomentar a cultura da conciliação e da mediação desde o princípio, para que os processos sejam a exceção e não a regra. Desencorajar o advogado a entrar com o processo, premiando a negociação prévia e a utilização da via administrativa em face do Estado. Porque se a litigiosidade que chega ao Judiciário continuar progredindo, não há julgamento de carrinho, juiz-gestor e resolução do CNJ criando disneylândia judicial que dê conta. Fora, o pior, que nem é o processo, é a doença social do litígio.


Notem que, na senda da penúltima postagem, o CNJ uniformizou o horário do funcionamento do Judiciário a pretexto de oportunizar a todos o acesso à Justiça.

Ora, o Judiciário não está entupido? Como dar mais acesso então? Não seria melhor trabalhar para acabar com os estoques e fomentar meios alternativos de solução de conflitos?

Por isso que eu insisto: é proposital. Eles querem entupir o Judiciário, ditar soluções empurradas garganta a baixo por resoluções, provimentos, instruções etc, e docilizar o juiz como um administrador. Querem criar a demanda e depois simplificá-la na base da irreflexão, da pressa e da facilidade de resultados prefabricados. Não querem a Justiça feito homem, como modelo de magistrado.

E, como se vê, o sistema, a véia da foice da Justiça (como diz o Elomar), encontra sempre aúlicos dispostos na própria magistratura.




O gerenciamento dos processos no TJ-SP, a novidade




Vladimir Passos de Freitas 2 - Spacca


No dia 24 de março passado, o TJ de São Paulo baixou a Resolução 542, de 2011. O ato administrativo passou despercebido, mas influenciará diretamente a vida de muitos que procuram a Justiça e também, por reflexo, outros tribunais brasileiros.


A Resolução, no preâmbulo, “estabelece medidas necessárias ao julgamento de processos anteriores ao ano de 2006, para atendimento das metas prioritárias fixadas pelo Conselho Nacional de Justiça, em especial a Meta 2, e determina outras providências”.


A gestão dos processos na primeira instância sempre foi assunto recorrente. Mas nos tribunais as medidas tomadas têm sido de aumentar o número de cargos e realizar mutirões, convocando-se juízes de primeira instância. Entretanto, o problema vai além do atraso. Passa, entre outras coisas, pela gestão administrativa dos gabinetes de desembargadores.


Nos Estados Unidos, onde a mora judicial é menor, a matéria é estudada há pelo menos 40 anos. O “Federal Judicial Center” editou, em 1988, o livro Managing Appeals in Federal Courts, com 825 páginas de busca de soluções.


No Brasil, estamos na primeira fase, qual seja, a de conscientizar todos de que os tempos mudaram. É impossível persistir no sistema antigo, em que um desembargador recebia 12 processos por semana, lia-os atentamente em sua casa, preparava o voto e, em um dia previamente marcado, levava os recursos a julgamento. Discutiam-se as teses longa e profundamente, com citações de doutrina e jurisprudência.


Agora é diferente. O volume de processos multiplicou-se e a cobrança é muito maior. Todos têm pressa. A informática e o celular criaram escravos de compromissos que não acabam. Adaptar-se ao processo eletrônico é um tormento para que os que passaram dos cinquenta.


Mas não adianta filosofar se é bom ou ruim. É assim e ponto. É mudar ou sucumbir. Sempre tentando conciliar o desafio de julgar bem e em tempo razoável. Aí é que entra a Resolução 542 do TJ de SP. Pela primeira vez na história do Poder Judiciário brasileiro fixam-se metas de rendimento de desembargadores e sanções aos que as descumprirem.


Antes da análise é preciso que se diga que no Brasil cada tribunal é um órgão autônomo e com regras próprias. Mesmo nos TRFs, que são apenas cinco e têm o CJF que os uniformiza, além do número de processos distribuídos ser muito diferente, poderá haver mais ou menos cargos em comissão no gabinete de cada desembargador, privilegiando-se mais ou menos a área judicial sobre a administrativa. E isto pode tornar diversos os resultados.


Nos tribunais estaduais a diferença é maior. São cortes que, até a instalação do CNJ, viveram isoladas por mais de um século e que desenvolveram técnicas administrativas próprias. Por exemplo, em um TJ, o gabinete do desembargador pode ter dois cargos em comissão e três servidores de carreira. Em outro, podem existir até 18 cargos em comissão. Óbvio que, em tese, os resultados serão diferentes. Isto sem falar na distribuição, que nos estados pouco populosos é mínima. Ainda, se a Justiça de primeira instância funcionar bem haverá muitos recursos, mas se for desestruturada, pouquíssimos.


Abstraídas estas particularidades e todas outras que possam existir, o fato é que nos tribunais há desembargadores que produzem mais e outros menos. Em princípio, nada de errado nisto. É da natureza humana. Uns são rápidos, outros mais lentos. Só que, por vezes, mesmo consideradas as particularidades pessoais, surgem diferenças sem justificativa. Suponha-se que, distribuídos 200 processos por mês a cada desembargador de um tribunal com 15 membros, com competência idêntica, três estão zerados, oito possuem um acervo de 200 processos, e quatro estão com mais de mil conclusos. Alguma coisa está errada.


Um desembargador que atinge um número extremamente excessivo de processos pendentes de julgamento, inadequado, fora dos parâmetros, certamente está em uma destas situações: a) é trabalhador, mas não utiliza a tecnologia disponível (v.g., assinatura eletrônica); b) é centralizador e detalhista, impedindo que os processos fluam normalmente; c) não se dedica ao trabalho.


Pois bem. A Resolução 472 aponta soluções inteligentes para estes casos extremos. Primeiro, manda que se redistribuam os processos da Meta 2 (até 2006) aos desembargadores que estão em dia. Estes não serão prejudicados por terem sido mais rápidos (ou mais trabalhadores), pois terão suspensa a distribuição até que haja compensação. Por suas vez, os retardatários, ao livrarem-se dos processos antigos, receberão três novos para cada um que mandarem aos seus colegas.


Além disso, os processos antigos ainda existentes (Meta 2) deverão ser julgados em 120 dias, sob pena de apuração da responsabilidade disciplinar. Da mesma forma, serão responsabilizados os que tiverem produtividade igual ou inferior a 70% da média. Ainda, os que forem professores terão reexaminadas as autorizações para docência, ou seja, serão lembrados de que a magistratura é a atividade principal.


A Resolução 542, por si só, não será a solução para todos os problemas da morosidade da Justiça paulista. Porém, ela tem a grande virtude de pôr um basta na tradição de tolerância que sempre existiu em relação aos atrasos nos tribunais. Enfrentar os problemas é o primeiro grande passo de um administrador judicial.


Finalmente, registre-se que no último dia 31 de março, o CNJ divulgou as estatísticas do cumprimento das metas do Judiciário. Nelas se encontram (p. 65) os índices de cumprimento dos processos da Meta 2. O TJ-RR atingiu o mais alto percentual (99,04%), e o TJ-RN o menor (9,42%). Entre os grandes tribunais (mais de 100 desembargadores), o TJ-RS teve o melhor índice (62,45%), o TJ-MG o mais baixo (24,74%), tendo o TJ-SP ficado na média (43,69%).


Em suma, a Resolução 542 é um passo nas tentativas sérias de aprimorar-se o sistema judicial. Certamente dará bons resultados.


Fonte: Consultor Jurídico

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