sábado, 5 de junho de 2010

A INFRAERO E OS DOIS MUNDOS

Na viagem recém concluída, passando por Porto Velho, Palmas, Brasília, Maceió, Salvador e Cuiabá, constatei uma vez mais que nossos aeroportos oscilam entre dois mundos.

A inspeção da bagagem de mão e do passageiro é coisa de um rigor que não vejo em mais nada neste país. A bagagem passa por um minudente raio x. Temos de tirar cintos, relógios, até moletons ou malhas amarrados ao pescoço. Nossos filhos pequenos não podem levar bonecos consigo ao passar no raio x. Senhoras tem de descalçar sapatos de salto. Os inspetores da Infraero são concentrados e não deixam escapar nada.

Em Brasília, carregando pertences dos meus filhos, extenuados depois de uma viagem desde Maceió que já era de mais de 12 horas, uma inspetora praticamente voou no meu pescoço onde eu dependurara o moleton do meu filho, depois de sair do raio x sem que nada fosse detectado. Ela já foi tirando o casaco e levando-o para submeter à verificação da bagagem de mão. Foi tão rápida e determinada que eu não tive sequer tempo de balbuciar meu espanto. Quisera o zagueiro de sobra do Inter tivesse a mesma gana e senso de antecipação da servidora da Infraero.

É louvável tanta diligência e inflexibilidade. Nos remete a países ditos civilizados, que são alvos de potenciais atos de terrorismo.

Há de se ponderar que vivemos em um país onde a princípio vige uma Constituição que reserva à lei a relativização de direitos e garantias fundamentais, dentre as quais a livre locomoção de pessoas, a intimidade, a vida privada. Em se tratando de crime, o nosso Código de Processo Penal, no parágrafos 1o. e 2o. do art. 240, estabelece como requisito para a busca pessoal e domiciliar a fundada suspeita de que alguém oculte arma ou objetos relacionados ao delito. Em suma, há claro aviltamento de garantias constitucionais do cidadão em submetê-lo a revista pessoal ou de sua bagagem com base em portarias e resoluções, meros atos administrativos emanados de autarquias ou agências regulatórias, que não podem criar, modificar ou extinguir direitos. Merece menção de que tratados internacionais ou convenções sobre aviação ou segurança precisam de aprovação legislativa (art. 84, VIII, da CF) e não tem vigência automática no país.

Depois disso, a possibilidade de um ato terrorista em nosso espaço aéreo ou aeroportos é praticamente zero, pois temos um história diplomática de apoio aos não alinhados e principalmente no Governo Lula favorável à paz, às nações islâmicas e de repúdio a subjugação do povo palestino.

E, até onde minha leitura alcança, não registramos tentativas de sequestro ou incidentes com objetos cortantes em voo. Temos, sim, alguns incidentes com o abuso do álcool que, no entanto, continua a ser servido a bordo, não raro com merchandising no microfone pelas comissárias.

Não posso esquecer também da vigilância da Infraero para que os passageiros não transponham a faixa azul no trajeto entre o avião e o terminal. Colocar um pé na linha branca já é motivo para uma malcriada advertência. A cada 100 metros tem um funcionário somente para lembrar a todos da linha azul. Em Porto Velho, a uns dias atrás, com o pátio do aeroporto vazio, tendo o avião de menor porte do qual desci estacionado longe do terminal, havia o mesmo controle da faixa azul, não se podendo sequer atalhar uns 10 metros na quina, embora inexistente movimento de veículos de serviço e já fosse mais de 1h da madrugada.

Contudo, comparando a rudeza e rigidez no trato com os cidadãos que se aventuram em viajar de avião no Brasil com a estrutura, serviços e conforto propiciados nos aeroportos, é gritante a desproporção. Em vigiar o cidadão, fiscalizá-lo e constrangê-lo, somos iguais ao primeiro mundo.

Mas na contraprestação à taxa de embarque, Uganda, Tazmânia, Guiné-Bissau e o Zimbabue estão, por certo, uma escada rolante acima. Fim de mundo, na certa.

Tome-se, por exemplo, o aeroporto de Cuibá, uma das sedes da Copa de 2014.

Embora estivessem estacionados cinco aviões em plena tarde de sexta-feira (04/06/2010), dois da Trip (Embrar 190), dois da Gol (Boeing) e um da Tam (A-319), as duas singelíssimas esteiras, que possibiltariam no máximo 40 pessoas em sua volta, contavam com trezentas pessoas, loucas para cuidar de suas vidas e livrarem-se do calor cuiabano da acanhada e não refrigerada sala.

Apavorados em termos de esperar mais de cinco horas naquele aeroporto até a última etapa da viagem, Cuiabá-Ji-Paraná, pensamos em deixar as malas e irmos ao Shopping. Todavia, embora o maleiro fosse na mesma sala das esteiras de bagagem (e a segurança?), a "ficha" para seu uso (ninguém inicialmente sabia informar onde podia ser adquirida) era vendida no outro terminal. Desistimos. Alugamos um carro, acomodamos as malas e fomos evitar a permanência nos domínios da Infraero.

Poderiam a ANAC e a INFRAERO demonstrarem o ímpeto, o rigor, a determinação em nos revistar, para lisura licitações que desencadeia, na rapidez e probidade na construção e aumento dos aeroportos, em especial da área de check in e de esteiras, na fiscalização efetiva e penalização dos atrasos das companhias aéreas, na correção nas informações de embarque, conforto nas acomodações e em dispor banheiros amplos e impecavelmente limpos.

Neste dia, quase não vou me importar de ser revistado como Israel faria com um integrante do Hamas.